As últimas decisões da Suprema Corte têm causado muitos debates jurídicos e deixado os profissionais do direito, especialmente aqueles atuantes na Justiça do Trabalho, em modo de alerta.
Recentemente, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal deu um aceno positivo à contratação de profissionais, como médicos, sob o guarda-chuva de pessoa jurídica. Esse movimento, conhecido como “pejotização”, se destacou no campo laboral e despertou os ânimos da comunidade jurídica.
O caso líder desse contexto examinou a legalidade da terceirização de serviços, convocando à cena decisões anteriores relacionadas ao mesmo tema. O ministro Edson Fachin, anteriormente, havia rejeitado de pronto a reclamação constitucional. No entanto, quando o ministro Dias Toffoli trouxe sua opinião divergente ao julgamento do agravo regimental, houve mudanças. O TRT da 2ª Região teve sua decisão derrubada, anulando o reconhecimento de vínculo entre o médico e um grupo hospitalar.
É de se destacar que o STF adotou uma abordagem similar em outro julgamento, o da RCL nº 47.843. Na 1ª Turma, por maioria, uma nova reclamação constitucional encontrou respaldo na visão do ministro Alexandre de Moraes, deixando de lado os votos discordantes das ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber. A tendência se estabeleceu:
“Além disso, em caso análogo, também tocando na raiz do problema, uma controvérsia sobre a legalidade da terceirização por meio de ‘pejotização’, contratando uma pessoa jurídica formada por médicos para prestar serviços terceirizados a um hospital, a 1ª Turma já decidiu de acordo com a presente abordagem: este é o caso Rcl 39.351 AgR (relatado pela ministra ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020)”.
Com base nesses eventos, é perceptível que o entendimento das 1ª e 2ª Turmas do STF está orientado para validar a “pejotização” de profissionais liberais, que são trazidos à cena por meio de entidades jurídicas, alicerçando-se na resolução do Tema 725 sobre terceirização de serviços.
No mesmo diapasão, o ministro Dias Toffoli anulou uma decisão do TRT-MG da 3ª Região que havia reconhecido um vínculo de emprego entre uma advogada e um escritório. Apesar de um recurso de agravo regimental ter sido apresentado, a 2ª Turma, por maioria, rejeitou o recurso, endossando o voto do relator e contrariando o ministro Edson Fachin.
Todavia, é importante lembrar que a “pejotização” é uma prática ilícita no cenário jurídico, uma manobra para disfarçar uma relação empregatícia genuína, visando reduzir custos. Isso acontece quando um contrato de trabalho pessoal se transforma em um contrato civil de prestação de serviços por meio de uma pessoa jurídica.
Esse processo de “pejotização” não deve ser confundido com a terceirização legítima, onde a atividade-meio de uma empresa é transferida a uma prestadora de serviços, que é especializada e financeiramente capaz de executar tal atividade, e até mesmo a atividade principal pode ser transferida.
Neste contexto, as palavras sábias do professor e procurador do Ministério Público do Trabalho, Ronaldo Lima dos Santos, se fazem pertinentes.
“Como Célia Regina Camachi Stander explica, a palavra ‘pejotização’ é um neologismo derivado da sigla ‘PJ’, que significa ‘pessoa jurídica’. Através do processo de pejotização, o empregador exige que o trabalhador crie uma pessoa jurídica (empresa individual) para ser contratado ou permanecer empregado, formalizando assim um contrato comercial ou civil, inclusive emitindo notas fiscais pelo trabalhador, mesmo que a prestação de serviços seja claramente uma relação de emprego, caracterizada por pessoalidade, subordinação, pagamento, continuidade e alteridade, conforme definido nos artigos 2º e 3º da CLT, já que são atividades típicas, essenciais ou contínuas destas instituições.”
E é por essa razão que a “pejotização” não pode ser confundida com a terceirização de serviços legítima. Enquanto a terceirização implica em uma relação triangular entre a empresa contratante, a empresa contratada e o empregado prestador de serviços, na “pejotização” o trabalhador se torna, simultaneamente, a empresa contratante e o prestador de serviços (a transformação de um CPF em um CNPJ).
Apesar das considerações acadêmicas, é um fato irrefutável que a Suprema Corte tem reconhecido, na prática, outras formas de trabalho como legítimas, além da típica relação empregatícia regida pela CLT.
Nessa trilha, o STF, na ADC 48, confirmou a constitucionalidade da Lei nº 11.442/2007, que regula a atividade de motoristas autônomos de carga. De acordo com a decisão, uma vez que os critérios da norma são atendidos, uma relação comercial de natureza civil se estabelece, excluindo assim o vínculo de emprego.
Alinhando-se a essa tendência, a 2ª Turma do STF confirmou uma liminar do ministro André Mendonça, suspendendo uma decisão judicial que havia reconhecido um vínculo de emprego entre um ex-franqueado e uma empresa franqueadora (RCL nº 58.333).
Recentemente, o ministro Alexandre de Moraes, em uma decisão individual, considerou procedente uma reclamação constitucional envolvendo um motorista de aplicativo e anulou a decisão do TRT/MG da 3ª Região que havia reconhecido o vínculo de emprego. Em sua decisão, o relator argumentou que, à luz da ADC 48, da ADPF 324, do RE 958.252 (Tema 725 — Tabela de Repercussão Geral), da ADI 5835-MC e do RE 688.223 (Tema 590 — Tabela de Repercussão Geral), o reconhecimento do vínculo não estava em conformidade com os precedentes do STF. A decisão também levou ao encaminhamento do caso à Justiça Comum Estadual, o que gerou uma manifestação de entidades profissionais que defendem a manutenção da competência da Justiça do Trabalho.
No julgamento da ADI 5625, que discutiu a validade da Lei 13.352/2016, conhecida como Lei do Salão Parceiro, o STF, com maioria de votos, venceu as objeções dos ministros Edson Fachin e Rosa Weber, e estabeleceu a seguinte tese: “1) A celebração de um contrato civil de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor, conforme a Lei 13.352, de 27 de outubro de 2016, é constitucional; 2) Esse contrato de parceria civil é nulo quando utilizado para mascarar uma relação de emprego de fato, que deve ser reconhecida sempre que seus elementos caracterizadores estiverem presentes.”
Em resumo, fica evidente que, na Suprema Corte, prevalece agora, graças à maioria dos votos dos ministros, incluindo Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, André Mendonça, Luiz Fux e Nunes Marques, o reconhecimento da legitimidade de outras formas de relações de trabalho, que não se encaixam no tradicional contrato de emprego regido pela CLT.
É o entendimento do tribunal máximo de que formas alternativas, como terceirização, parcerias em salões de beleza, contratação de profissionais independentes como entidades jurídicas, motoristas de aplicativo, autônomos transportadores de carga e franqueados, são todas constitucionalmente válidas, abrindo espaço para uma variedade de modelos contratuais diferentes da estrutura clássica de emprego regulamentada pela legislação trabalhista.
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